É necessário defender e proteger a indústria nacional e a indústria instalada no país. Esse é o um ponto de pouca controvérsia. No entanto, a superproteção pode ser tão danosa ao país e aos seus habitantes quanto a falta de proteção. O papel da administração aduaneira deve cumprir quatro missões: fiscal, econômica, proteção do cidadão consumidor e segurança em geral.
A administração aduaneira brasileira é representada pela Coordenação-geral de Administração Aduaneira (Coana), da Receita Federal do Brasil. É vital o papel da Coana para o interesse nacional. No entanto, a Operação Maré Vermelha e outras operações, com o intuito de identificar operações fraudulentas, não pode descurar do interesse econômico das empresas que operam em cadeias de suprimentos internacionais aqui instaladas.
A competitividade internacional leva empresas e investimentos a se instalarem em diversas partes do mundo, em busca de maiores ganhos de competitividade. A definição de competitividade é ampla e não pretendemos discuti-la aqui, mas seu conceito passa pela necessária eficiência do governo. A operação maré vermelha tem tirado competitividade de empresas que precisam do comércio ágil pelas aduanas.
A aduana tem sido vista cada vez mais como um elo fundamental na gestão de cadeias de suprimentos internacionais e não pode representar um gargalo. O excessivo controle, travestido de práticas de defesa da indústria nacional, provoca danos às indústrias aqui instaladas, no sentido de que cria dificuldades extras à gestão da cadeia de suprimentos, acrescentando tempo e despesas que não agregam valor.
O comércio internacional deve ser visualizado como um meio de alavancagem de competitividade, vias ganhos de escala, estímulos à inovação, estímulos a parcerias internacionais, melhores práticas de gestão, superação das imperfeições de mercado, transmissão do conhecimento e aumento da produtividade que contribuem para a entrada de divisas no país, aumento das exportações e o aumento da renda nacional. Considerar o comércio internacional e as importações como um dano à economia pode provocar ainda mais danos, sob o efeito de isolar a indústria nacional.
A indústria nacional também importa, exporta e precisa da aduana como parceira para ser competitiva.
A Coana precisa se modernizar, observar melhores práticas internacionais na área, buscar parcerias para projetos de inovação em gestão com o setor privado e com universidades. Aumentar dias no trânsito internacional de mercadorias, sob o pretexto dos controles aos atos danosos à economia nacional, não está de acordo com as melhores práticas. É necessária uma gestão inteligente de regularidade aduaneira baseada no risco, que comece com uma legislação simples, que incorpore as respectivas responsabilidades do governo e da indústria, preveja sanções pelo descumprimento de normas e ofereça soluções customizadas para diferentes tipos de negócios, com a necessária flexibilidade.
É necessário tratar empresas e importadores diferentes de maneira diferente. Para aqueles que cumprem regularmente as normas, devem ter um trânsito facilitado pelas aduanas. O despacho aduaneiro expresso (Linha Azul) é insuficiente para isso. O documento sobre o "Desenvolvimento de uma Estrutura Organizacional para a Gestão de Risco" (da Organização Mundial das Aduanas - OMA), estabelece indicativos para a inteligência aduaneira, com tratamento diferenciado conforme os tipos de clientes. E acrescenta que os clientes podem ser divididos em quatro categorias:
a) Aqueles que cumprem voluntariamente as normas;
b) Aqueles que tentam cumprir as normas, mas nem sempre o fazem;
c) Aqueles que evitam cumprir as normas, quando possível;
d) Aqueles que deliberadamente não cumprem as normas.
Uma gestão de risco com atributos de inteligência deve ser capaz de identificar riscos diferenciados em diferentes tipos de importadores ou clientes. A análise dos tipos de clientes deve ser compartilhada pelas administrações aduaneiras de todo o mundo. A integração entre as aduanas é fundamental na gestão de risco, o que tem sido chamado de reconhecimento mútuo e praticado por mais de 12 países, além da União Europeia.
Há a necessidade de especificar claramente as responsabilidades de cada órgão na estrutura de comércio exterior no Brasil, definir "risk owners" (responsáveis pelo risco X ou Y), prever incentivos e prêmios por melhores resultados, incentivar a inovação e a efetiva cooperação.
Pesquisa feita pelo Cross-border Research Association, de Lausanne, na Suíça, com 24 administrações aduaneiras de todos os continentes (não inclui o Brasil), realizada no ano passado, identificou que as três principais ameaças para os controles das administrações aduaneiras são: falsa declaração de valor, contrabando de narcóticos e falsa declaração de conteúdo. Ou seja, estes problemas são recorrentes para grande parte das aduanas, e não somente para o Brasil. Neste sentido, quais são as ações que as administrações aduaneiras têm praticado?
A resposta passa pela cooperação governo-agente econômico, pelo compartilhamento de informações entre aduanas, pelo treinamento contínuo e adequado de pessoal, pela utilização de tecnologias não invasivas, pela desburocratização, pela utilização ampla da informática como ferramenta de trabalho e combate à corrupção, pelo incentivo à conformidade de dados e informações ("compliance" e "enforcement") e pela adesão às normas Safe da OMA. Essas práticas são as menos desejadas pelos contrabandistas, sonegadores, contraventores, falsificadores, traficantes, corruptos e terroristas.
A ineficiência e a burocracia não precisam ser uma barreira protecionista oculta. Não podemos confundir controle bem feito com dias acrescentados à gestão de cadeias de suprimentos, com as mercadorias paradas nas aduanas, e o pretexto de proteção à indústria nacional. A indústria nacional também importa, exporta e precisa da aduana como parceira para ser mais competitiva no Brasil e no exterior.
Cristiano Morini é professor doutor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), Unicamp e pesquisador na área de administração aduaneira e cadeias de suprimentos. E-mail: cristiano.morini@fca.unicamp.br
Fonte: Cristiano Morini
Valor Econômico - 09/05/2012
Valor Econômico - 09/05/2012
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