sexta-feira, 4 de junho de 2010

Tomada de Decisões: quando os aspectos técnicos e a ética pessoal se opõem, como decidir?

Revendo um episódio da minha vida profissional, percebo como somos influenciados por aquilo que cremos, pelos nossos valores, pela nossa própria história de vida, nos momentos críticos de decisão.

Essa história em especial, que teve um final feliz, tinha chance igual de ter se tornado um desastre. Geralmente, as decisões mais importantes, têm essa mesma proporção: 50-50!

Ou seja: nada a desequilibra. Não há histórico ou precedente para averiguar naquele momento. As decisões importantes são tomadas assim: preparamo-nos toda uma vida, para decidir em segundos.

Por isso hoje, quando penso nos profissionais que estão dirigindo nosso futuro, nos políticos decidindo as questões importantes de nossa vida em sociedade, dou igual importância à qualificação técnica desses profissionais e de seu histórico humano, sua vivência pessoal.

Porque naqueles segundos cruciais do SIM ou NÃO para uma situação, não há tempo para revisar conceitos técnicos. Não há tempo para analisar fria e detalhadamente. A decisão será intuitiva. Acredite-me!

Não estou falando das pequenas decisões, ou daquelas que são a culminância de um projeto por nós arquitetado. Essas têm seu curso natural de análise, preparação, testes, ajustes e por fim a decisão sacramentada.

Estou falando daquelas situações que nos chegam inesperadamente, e para as quais não podemos dizer: espera aí que vou ver o que os gurus da administração (ou da psicologia) fariam no meu caso. Não dá! É decisão para AGORA!

Naquele caso que eu contava, eu já tinha me tornado uma Gerente de Comércio Exterior de uma multinacional. Naquela época, com a estrutura organizacional em processo de implantação e as vendas internacionais começando, respondia por 7 ou 8% do faturamento global da empresa. Pouca responsabilidade? Nem tanto, já que cada pedido de exportação representava em média USD 250.000,00, e nossa área embarcava uma média de 4 pedidos desses por mês. Sem contar toda a estrutura para atender às peças de reposição, garantia e serviços para a rede credenciada no exterior. Pouco dinheiro, muito custo e muita responsabilidade. Deixar um equipamento sem assistência técnica no exterior é o caminho mais curto para o fracasso da marca.

Eu e minha assistente estávamos, naquela semana, embarcando nosso terceiro pedido para um cliente brasileiro que havia aberto uma filial na Venezuela. Um cliente que, no Brasil, respondia por 35% do faturamento de uma das nossas linhas de produto.

Com o real desvalorizado, as exportações estavam em alta, e como sempre acontece quando as vendas estão aquecidas, começamos a enfrentar dificuldades em conseguir transporte para nossas cargas até o Porto onde seriam embarcadas para o exterior. Faltavam caminhões.

Nós tínhamos nossas políticas de contratação de serviços, e as transportadoras habituais conheciam bem nossos níveis de exigência, e nos atendiam a contento. Mas um pedido daquela magnitude, que dependia de 23 caminhões de uma única vez, foi mais do que eles estavam preparados para atender.

Pressões externas, do cliente que esperava a carga no prazo combinado, da dificuldade logística em concluir o projeto a tempo, e internas, do pessoal da fábrica e expedição, que não poderiam fechar o ano com todos aqueles produtos parados no estoque.

Depois de muitas conversas, em diversos tons, com a transportadora, eles finalmente se comprometeram em enviar todos os 23 caminhões que pedimos, e aí a corrida contra o tempo: retirar os containeres do porto, trazer até a fábrica, estufar e seguir em viagem.

Tudo programado e acontecendo conforme combinado, mas nem por isso, menos desgastante. Só relaxaríamos quando o último dos caminhões chegasse no porto, concluísse a liberação aduaneira e a carga toda estivesse, finalmente, dentro do navio.

Para piorar a situação, era 20 de dezembro. Tínhamos que cumprir o cronograma de qualquer maneira, antes do Natal senão, não fecharíamos os números do mês. E o mês, neste caso, tinha 10 dias a menos, pois no dia 21 de dezembro, entrávamos em férias coletivas.

Talvez por intuição, minha assistente decidiu descer até a área de expedição da fábrica para acompanhar o carregamento. Tudo ia muito bem, até que ela viu um dos caminhões aguardando na fila para ser carregado. Aquele caminhão estava completamente fora dos nossos padrões: tinha pelo menos 30 anos de uso, o capô do motor estava preso por uma corda, vazava óleo e parecia que ia desmanchar ali mesmo.

Não duvidou em entrar na minha sala como um corisco, me pedindo para não autorizar o carregamento naquele caminhão, completamente fora dos nossos padrões.

Ligamos para a transportadora, a voz alguns decibéis acima do usual, pedindo explicações, e a resposta foi: ou carrega naquele caminhão, ou aguarda até se conseguir outro equipamento, o que provavelmente ocorreria somente depois do Ano-Novo!

Como sabemos o que significa “parceria”, tínhamos consciência de nossa parcela de responsabilidade, e conhecíamos bem nosso fornecedor, para saber que ele não tinha alternativa. Não fora uma decisão fácil para ele também, enviar aquele caminhão para nos atender. Estava arriscando a conta, uma conta importante para o seu próprio negócio. Mas ou nos atendia como era possível, ou nos dizia um sonoro e rotundo “não”. Optou pela primeira alternativa.

Bom, hora de falar com o motorista e dar a triste notícia. Eu nunca deleguei essa tarefa para terceiros, a de comunicar as decisões da empresa aos parceiros, boas ou más. Sempre as assumi, porque acredito que grande parte de nossa credibilidade provêm da nossa capacidade de estar lá quando a situação exige.

Optei por não chamar aquele senhor na minha sala (o que já era bastante intimidador para uma pessoa humilde, de mãos calejadas – entrar na diretoria de uma empresa daquele porte) e fui até ele. Expliquei os motivos pelo qual nossa empresa não poderia aceitar o seu caminhão na frota, e ele, na sua humildade, com as mãos sujas de graxa (acabara de “dar um trato” no motor), e os olhos úmidos, me explica que, se eu fizesse isso, ele estaria numa situação muito delicada. Esse havia sido o único frete bom do ano, e como se aproximava o Natal, parte do adiantamento de viagem que ele recebera da transportadora, já havia sido destinado à sua família, pois sem aquele dinheiro, não haveria ceia de natal.

E agora, José? Sigo a minha cartilha, aquela que impunha a toda a minha equipe, ou quebro as minhas próprias regras? Arrisco e assumo junto com aquele caminhoneiro estranho, a responsabilidade por um possível atraso no embarque dos outros 22 caminhões, ou decido ali mesmo o destino da carga e o natal daquela família? Quem responde agora, a profissional qualificada, ou o ser humano, perante outro ser humano?

Como disse no princípio desse texto, decisões difíceis não dão prévio aviso. E essa, tinha 50% de chance para cada lado.

E contra os acenos da minha assistente, que dizia: não carrega, vais arriscar muito!- eu fiz um pacto com aquele senhor. Olhando um nos olhos do outro, entramos num entendimento que extrapolava qualquer acordo profissional. Éramos duas pessoas entrando em um nível de comprometimento mútuo e de confiança, poucas vezes vivenciados por mim.

Ele me jurou que chegava no prazo combinado, custasse o que custasse. E eu acreditei, porque a outra alternativa acabaria não só com o natal daquele pobre senhor, mas também com o meu. E me transformaria numa pessoa que eu não gostaria de ver no espelho.

E assim foi selado o pacto: ele partiu carregado e compromissado comigo. Viajaria a noite toda e me ligaria quando descarregasse no porto. No meu celular particular. E eu, que não dormi a noite toda, me questionando se minha decisão era correta.

Toca o telefone, 6:45 da manhã, a cobrar. E a voz me dizia do outro lado: “eu não disse pra senhora que eu chegava?” numa alegria contagiante!

Naquele momento entendi. Posso prevenir muitas situações de ocorrer, com técnica, procedimentos e métodos. Mas nunca poderei, sem me transformar em outra pessoa, colocar tudo isso acima do ser humano.

Hoje, quando vou fechar um negócio, ou iniciar uma nova parceria, depois de avaliadas as condições técnicas, faço questão de olhar no olho do meu futuro parceiro. Quero ver lá no fundo daquele olhar, o mesmo comprometimento que enxerguei nos olhos daquele caminhoneiro, no ano de 2000. Eu estou pronta para o pacto. Faço questão disso.

Um abraço, e até o próximo post!

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu já tinha escutado essa história, mas lê-la foi melhor ainda. Nos faz refletir sobre os nossos valores impostos em palavras, certamente foi uma decisão sábia!Bjs