segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Extraviei o B/L. E agora?

Temos visto com certa feqüência importadores perdendo os originais do conhecimento de embarque marítimo. Diretamente ou pelos seus agentes, despachantes, prestadores de serviço, etc. Sendo o nosso conhecido e popular Bill of Lading (B/L), um dos documentos mais importantes do comércio exterior, e o mais importante da navegação marítima.

O B/L é um dos dois conhecimentos marítimos que são emitidos, já que existe também o Sea Waybill, este bem menos conhecido e utilizado. E os importadores naturalmente vão ter problemas com isso. Temos dito que perder um B/L é uma das coisas que nunca se pode fazer na vida.

As pessoas estranham o fato, e percebem então que nunca deram importância devida ao assunto. Elas normalmente não tem idéia da gravidade da situação. E podem até pensar que perder um B/L é como perder um outro documento qualquer. Perder um conhecimento de embarque marítimo significa não poder retirar a sua carga após o despacho aduaneiro. Quando se consegue fazer o despacho sem sua apresentação, o que deve ser resolvido junto à RFB – Receita Federal do Brasil.

Uma vez realizado o despacho, e tendo sido a mercadoria desembaraçada, é hora de retirá-la para seu uso. O fiel depositário da carga, para entregá-la, precisa de uma via original do conhecimento de embarque. Ele não a entrega sem sua apresentação e retenção. E o armazém tem que guardar esta via original por cinco anos à disposição da RFB. Se entregar a carga sem o conhecimento de embarque, pode ser penalizado. Conforme artigos 70 e 71 da lei 10.833/03.

É comum se recorrer ao armador para a emissão de um novo conhecimento de embarque. Que naturalmente, a priori, se recusa a fazê-lo. E com toda a razão, considerando que um B/L é um contrato de transporte, um título de crédito e um recibo de carga.

Com essas condições, em especial as duas últimas, o armador tem toda a razão, visto que o B/L vale carga. Ele, tecnicamente, portanto, não pode emitir novo jogo de documento, pois não há duas cargas a serem entregues. Se após a entrega da carga ao dono da mercadoria, o que está com o segundo jogo de B/L emitido, aparecer alguém com o primeiro B/L, o armador terá que entregar nova mercadoria a este. E essa segunda mercadoria, claro, não existe, o que cria a ele um problema sério.

Assim, o armador até pode emitir um novo jogo de conhecimento, porém, vai exigir da empresa, normalmente, uma garantia bancária. E, naturalmente, por um valor igual ou maior do que o da carga. E, também, com validade longa de, por exemplo, cinco anos. Essa garantia bancária é que vai dar ao armador a tranquilidade necessária no caso de uma segunda pessoa, a que achou o conhecimento extraviado, aparecer para exigir a mercadoria. Ele simplesmente a indenizará em lugar da mercadoria, já que esta não existe para ser entregue.

Portanto, como se vê, o armador tem toda razão. Só existiu o embarque de uma mercadoria. Assim, só se justifica a emissão de um conhecimento para aquela mercadoria. A emissão de um jogo adicional pode trazer ao armador também problemas com o seu P&I Club – Protection and Indemnity Club. Um clube criado por vários armadores, para agir em seus nomes quando necessário.

É comum as pessoas invocarem os decretos 19.473/30; 19.754/31 e 21.736/32. E anunciarem o extravio por três dias na imprensa. E, com isso, acharem que o armador tem que emitir novo jogo completo de Bill of Lading. É preciso ficar claro que estes três decretos estão REVOGADOS, nada valendo. Os dois primeiros em 1991 e o terceiro em 1999. E, mesmo que estivessem em vigor, o armador não seria obrigado a emitir novos originais, conforme já exposto.

É pensamento também do importador, algumas vezes, sugerir recorrer à justiça para obter do armador a emissão de um novo conhecimento de embarque já que ele não quer emití-lo. Esta é uma atitude sem nexo, pois o armador não está se recusando a emitir o conhecimento de embarque. Ele já o emitiu por ocasião do embarque, portanto já cumpriu sua obrigação. Sua recusa é apenas com a sua reemissão, já que não existe a mercadoria adicional.




Assim, descartada a ação legal contra o armador, bem como a sua obrigatoriedade de reemissão de conhecimento de embarque, a única opção é a questão comercial. Pedir ao armador, humildemente, que o ajude a sanar o problema da perda do conhecimento. O armador não terá porque recusar a sua reemissão e ajudar o importador, conquanto este apresente a ele a garantia de que não terá que entregar nova mercadoria, que não estará em seu poder.

Assim, reiteramos, pode-se cometer muitos erros. Mas nunca o de perder um Bill of Lading, o que é mortal. Ele deve ser tratado com o carinho com o qual se trata uma namorada ou namorado extremamente queridos.

Artigo do Professor Samir Keedi, autor de diversos livros na área de logística e Representante brasileiro do grupo consultivo da CCI-Paris na Revisão do Incoterms 2010, publicado no site da Aduaneiras.

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